quinta-feira, 21 de junho de 2007

O TREM-METRÔ
Marcelo Cunha Bueno

O menino estava no banho, sua mãe disse que iriam para a casa dos tios de metrô. Lava a cabeça, lava o pé, passa sabão e deixa escorrer. Me... o quê? Perguntou o menino, tirando o xampu do rosto. Metrô, meu filho, você nunca viu um, né? Disse a mãe com voz compreensível para o filho.
O metrô é parecido com trem, mas ele anda embaixo da terra. Embaixo da terra? Como?? Na cabeça do menino, aquele metrô era uma nave espacial, feita para andar na terra, com furadores enormes na frente que arrancavam e detonavam todas as pedras, canos de esgoto, terras e tijolos que encontravam em seu caminho.
Mas, e os tatus? Que tatus, meu filho? E se tiver um tatu no meio do caminho do trem-metrô. Não tem tatu nos trilhos. No trilho? O metrô vai de trilho? É, meu filho, como você achou que ia, perfurando?
O menino secava-se com a toalha. Quem dirige o vagão do trem-metrô? Não é trem-metrô, é só metrô – corrigiu a mãe. Aposto que é o papai. Só ele teria coragem para andar embaixo da terra! Não, é o motorista! Coloca a sandália para ir ao quarto.
Com a sandália no pé e as idéias na cabeça... A que horas o tr..., o metrô vem buscar a gente? Como saberemos que ele chegou? Ele toca alguma buzina? – perguntou o menino. Não, depois que você se arrumar, nós iremos até a estação. A que horas ele passa? Sempre passa, toma, dá o pé – disse a mãe com as meias na mão. Então, já teve um metrô que cavou um buraco? Não, quem cavou foram alguns homens. O papai ajudou a cavar, não foi? Não, meu filho, seu pai trabalha com outras coisas... Amarra o tênis. Mas, como o motorista sabe onde é a casa do tio e da tia? Ele não sabe – respondeu a mãe, apressada. Não sabe? Você vai explicar? Não. Você sabe dirigir metrô? Não! Vamos, estamos ficando atrasados com tantas perguntas.
No caminho, o menino continuava a pensar. Seu coração batia rápido. Ele anda rápido? Quem, seu tio? Não, o metrô! Anda, muito rápido. Ele é supersônico? O que é isso, filho? Não sei, acho que deve ser, sei lá. As pessoas sabem que existe o metrô? Claro! Por que é que elas não estão lá? Não sei. Deve ser muito legal andar nele.
Enfim, chegaram à estação. Cadê? Cadê o quê? O metrô, mãe. Já vai, filho.
Bilhete magnético, catraca eletrônica, escada rolante... só podia ser um sonho! De repente, no túnel, uma luz se aproximou. Os olhos do menino, arregalados, brilhavam de emoção. Lá vinha a sua nave espacial, conduzida por seu pai, em um buraco-túnel, cavado pelo mesmo, para levar-lhe até os seus tios, rápido como um supersônico, por um caminho feito especialmente para a ocasião. Pegaram e foram.
Quem pode desdizer a imaginação de uma criança?

terça-feira, 19 de junho de 2007


TODA PORTA QUERIA SER UMA JANELA
Marcelo Cunha Bueno

Janelas não querem entrar nem sair, querem apenas deixar passar. Têm olhos que vêem o movimento de pessoas, plantas e animais. Contentam-se apenas com passos e sorrisos. Abrir uma janela pela manhã, é dar bom dia à vida!
Pela janela, podemos ver com os olhos de quem está de fora e de dentro, ao mesmo tempo. Janelas são as verdadeiras portas de entrada de uma casa. Janelas com cortinas, janelas com flores, plantas, decoradas, janelas com os olhos de quem as habitam.
Os sonhos moram nas janelas. Lembro-me das manhãs de minha infância. Viajávamos eu, minha mãe, tia e primo, para um sítio gostoso no interior de São Paulo. Era um lugar repleto de janelas. Todas as manhãs, podia escutar minha mãe e minha tia dando bom dia para a cidade.
Acordava sonhando! As janelas eram rústicas, cor da própria madeira. Tinham cheiro das folhas dos pinheiros próximos da casa. Faziam barulho cada vez que abriam e enchiam o ambiente de luz. Um ritual digno de se guardar na memória!
Na sala de nossa casa, havia pelo menos oito janelas bem altas que davam para um terraço enorme. Podíamos ver um vasto gramado pelas janelas da frente e, pelas das laterais, víamos um pequeno vale. Um lugar de infância e brincadeiras. A casa parecia não ter paredes. Parecia ser uma grande janela - para o mundo!
Por ela, avistávamos os visitantes e, por ela, despedíamo-nos também. Por ela, caminharam as sensações mais deliciosas de minha vida. Cheiro de comida no fogão, sons de panela e pratos sobre a mesa. Músicas que povoaram a minha meninice, cantadas pela minha avó, tocadas pela vitrola que não existe mais. Por ela, via minha mãe rindo e me chamando para tomar banho e comer. Por ela, trocava a porta e, moleque, pulava-a correndo em busca de uma bola. Por ela, posso ver a minha infância.
Janelas deixam a luz entrar, conversam com o mundo exterior e abrem caminhos para o interior. A vida deve ser como uma casa repleta de janelas. Dizer aos outros que devem abrir as portas para conquistar seus desejos, é tirar a possibilidade da contemplação que é própria dos sonhos.
As crianças gostam de janelas. Não importa de onde sejam, gostam de olhar por elas. Quem não pegou seu filho, em um momento de silêncio, a olhar o mundo de passagem pela janela do carro? Devemos abrir as janelas de nossa sensibilidade e deixar que o mundo nos toque, devemos abrir nossas janelas e nos implicar com as coisas que estão ao nosso alcance. Abrir janelas é como dar uma chance para as surpresas que o mundo tem para nos oferecer.