sexta-feira, 14 de março de 2008


POR UM BRINCAR ANTIPEDAGÓGICO
Marcelo Cunha Bueno

Quando eu era pequeno, brincava com ossinhos do frango! Depois que me tornei professor, os ossinhos do frango se transformaram em giz de cera, tampa de canetinha, borracha... Cada um desses objetos adultos era um personagem inventado para colorir as manhãs e tardes de meus estudantes. Inventava histórias cheias de aventuras, em que a borracha era um terrível cientista que apagava as cores do mundo, o giz era um mágico que adorava inventar novos truques, o clips era uma roldana que, apoiada num barbante, deslizava pela sala de aula. Até hoje, meus estudantes ainda se lembram dessas histórias... Aqueles meninos e meninas, que hoje são enormes, sorriem para mim como aquelas crianças que assistiam às minhas histórias... Lembro-me de que, na sala de aula, esses materiais viviam sumindo, pois as crianças adoravam pegá-los e inventar histórias também! Havia espaço para os brinquedos plastificados, mas, quem dominava, eram os “brinquedos garatujas”, como costumo chamar: aqueles que parecem rabiscos, mas se tornam o que os seus olhos e imaginação querem ver! Era um “professor-brincador”!
Brincar é uma gostosura! Ao contrário do que muitos educadores dizem por aí, brincadeira não é trabalho. Brincadeira é brincadeira e ponto. Brincar na escola é uma delícia! Uma oportunidade fantástica para que a criança entre em contato com outros colegas e amplie seu repertório cultural e de jogos.
Adoro ver as crianças pequenas na escola! Gosto porque sinto ares poéticos nos espaços tão marcados pela geografia escolar. Elas transgridem qualquer regra do espaço. Fazem com que pensemos melhor nas utilidades que inventamos para as coisas.
Muitas escolas colocam a brincadeira em um lugar sério, de ciência. Elaborações de papéis, vivências de contextos sociais, elaboração de sentimentos e sensações... Por isso, pedagogizam esse momento com brincadeiras regradas, com horários e espaços marcados. A criança aprende a brincar seriamente, o professor ensina a aprender seriamente. Há gente que diz que brincadeira é “estímulo”, seguindo essa onda da brincadeira como “ciência do desenvolvimento da personalidade”. Inventam brinquedos educativos, como se houvesse algum brinquedo que não provocasse alguma ação educativa e cultural. Ninguém precisa do brinquedo repleto de cores, repleto de formas e propostas para aprender algo. Mas o mundo de hoje faz isso: inventa discursos apoiados em uma ciência médica para capturar as pessoas, nesse caso, pais, mães e educadores.
Essa concepção de estímulo é coisa para focas e leões do zoológico, para brinquedos de plástico, ou coisa que o valha. É coisa desse mundo cheio de contemporaneidades que nos confunde e nos faz acreditar que as coisas simples não têm valor. Havia uma criança na minha Escola que sempre chegava com brinquedos miudinhos ou pedacinhos de objetos que se transformavam em grandes companheiros de desafios e fantasias. Os melhores brinquedos não querem dizer nada com suas formas ou propostas, apenas existem na imaginação de cada um! Nenhuma criança precisa de brinquedos cheios de penduricalhos e de especialidades para ser feliz!
Aqui na Estilo de Aprender, a escola que coordeno, as crianças de dois anos brincam muito. No Quintal, na Quadra, com caixotes, tábuas, areia, vão à horta, dão comida aos bichos, brincam de bichinhos, de casinha, “artistam” nas folhas e pelas paredes, escutam música, conversam, cantam, dançam e nos ensinam a ver o mundo com olhares mais infantis... Isso é cultivar a infância como acontecimento, como algo que não está previsto e nem colocado em um lugar específico. Esse acontecimento não pode ser capturado pelos discursos da escola.
Brincar é transformar as posições que ocupamos, a de professor, a de mãe, a de pai. Brincar até sermos o que queremos ser... e mudar! Brincar para ler mundos, para inventá-los. Brincar porque é simplesmente bom demais!