quinta-feira, 2 de agosto de 2007


Não-coisa
O que o poeta quer dizer
no discurso não cabe
e se o diz é pra saber
o que ainda não sabe.
Uma fruta uma flor
um odor que relume...
Como dizer o sabor,
seu clarão seu perfume?
Como enfim traduzir
na lógica do ouvido
o que na coisa é coisa
e que não tem sentido?
A linguagem dispõede conceitos, de nomes
mas o gosto da fruta
só o sabes se a comes
só o sabes no corpo
o sabor que assimilas
e que na boca é festa
de saliva e papilas
invadindo-te inteiro
tal do mar o marulho
e que a fala submerge
e reduz a um barulho,
um tumulto de vozes
de gozos, de espasmos,vertiginos
o e plenocomo são os orgasmos
No entanto, o poeta desafia o impossível
e tenta no poema dizer o indizível:
subverte a sintaxe
implode a fala, ousa incutir na linguagem
densidade de coisa sem permitir, porém,
que perca a transparência já que a coisa é fechada à humana consciência.
O que o poeta faz mais do que mencioná-la
é torná-la aparência pura — e iluminá-la.
Toda coisa tem peso: uma noite em seu centro.
O poema é uma coisa que não tem nada dentro,
a não ser o ressoar de uma imprecisa voz
que não quer se apagar— essa voz somos nós.
Ferreira Gullar