quarta-feira, 6 de junho de 2007

POR UM PENSAR MAIS LEVE EM EDUCAÇÃO

Tenho a impressão de que, cada vez mais, a seriedade que habita as relações nos cansa! Sim, creio estarmos cansados de sermos sérios.
Os explicadores, aquele que parecem não abandonar o tom professoral-pastoral jamais, parecem se multiplicar nos dias que seguem. Impressionantemente, a cada esquina, virada de página, ou olhar para o lado, tem um agente explicador que se especializou em algo e faz questão de professorar, transformando beleza em seriedade.
Penso na seriedade que a escola assumiu ao longo de seu caminho. Quando falo de seriedade, me refiro à falta de leveza nas relações com seus estudantes, familiares, com o mundo. Na escola, tudo é capturado por palavras de ordem, palavras especialistas em formatar sentidos, vontades, experiências. Seriedade que anula o estudante, o professor, as famílias. Todos sérios, aturam a rotina exaustiva da escola nos seus intermináveis 200 dias letivos, que, com tantos feriados, impedem as crianças de respirar férias longe dela. Sérios, aguardamos o último dia chegar para nos livrarmos da seriedade e da cruz professoral que a verdade-explicadora-especialista nos coloca.
Pesado. O ar está pesado. Nas escolas, nas ruas, nos cinemas... Cada vez mais! Agora inventaram que cada cinema tem um público específico! Outro dia, escutei de uma pessoa que foi a um cinema e se sentiu um peixe fora d´água! Pode? O que nos acontece? NADA! Nada mais nos acontece! Nada mais parece nos afetar. Trabalhamos por vários motivos e nos esquecemos da leveza do gostar, do simples gostar.
Criança sabe das coisas. Quantas vezes já nos podaram quando apenas gostávamos das coisas “porque sim”? Diziam que isso não era resposta! Uma das coisas mais interessantes em escola é escutar a conversa das crianças. São leves em seus comentários, não devem satisfações sobre seus gostos e “achares”. Muitas vezes, em rodas de conversa, os assuntos vão de um lado ao outro, sem ordem, mas não desordenados, com outra costura. Conversa de criança é uma renda de histórias. Aprende-se muito com essas rendas! Rendas que criam uma cultura, discursos, provocam sentimentos e dão algumas cores para a seriedade das palavras exatas.
Falta leveza na escola! Falta contarmos mais sobre o que nos acontece e o que nos passa, como diz o professor Jorge Larrosa. Falta entendermos que a riqueza de uma relação dentro da escola está na disposição por nos abrirmos para os acontecimentos, que não têm compromisso com o “para sempre”, com o futuro. O aqui e o agora e a surpresa são parceiros da leveza. Falta o professor entender que sua paixão é fundamental para afetar o outro. Não é aquela paixão pela profissão, que emburrece e embrutece o estudo, mas a paixão por ser leve, por rendas, por histórias e por culturas.
Falta professores falarem mais sobre seus gostos também, falta serem menos imparciais, menos explicadores, menos donos das verdades dos outros. Falta deixarem de achar que os outros sempre se importam com suas palavras.
Falta falar mais sobre as inspirações e lugares que os livros nos arremessam, sobre a beleza do olhar para uma tela de cinema, sobre o silêncio que o coração escuta com a música, o pulsar do corpo dentro de uma sala de teatro, os suspiros constantes ao caminhar pelas artes, a emoção de rever amigos e deleitar-se em palavras carinhosas, sobre escutar o som do pôr-do-sol... Falta, simplesmente, gostarmos mais do presente! A vida é agora!
Falta-nos rir, gargalhar, chorar... Sem compromisso! Falta-nos intensidade nas relações, falta-nos um sentir mais poético para aquilo que fazemos. Falta aquela música de fundo!
Penso na escola... Lugar sério. Penso nos habitantes dela.... Sérios! Penso no que ela quer... Coisa séria! Aquela que deveria cultivar a arte do encontro se perde nos desencontros, na individuação, na competição. Dessa forma, afasta as pessoas com uma competitividade sem tamanho. Almeja pessoas sérias... Insensíveis, superficiais em sentimentos, racionais.
Pessoas que se importam com o mundo, de verdade, são pessoas intensas, que se emocionam com o pequeno, coisas pequenas. São elas as únicas capazes de transformar as nossas vidas, de agir pela transformação.
Onde se aprende isso? Com certeza não é na academia-faculdade, não é nos intermináveis cursos de especialização, não é em palestras-shows...
Nos espaços de Estudo e Experiência, experimento algo incrível: desapegada desse valor professoral, desconectada do compromisso pelos acúmulos de profissionais competentes, criamos um outro espaço “formativo”, um não discurso pedagógico. Quero antes, pessoas que se importem com pessoas. Pessoas que se importem com suas vidas, que gostem de viver o hoje!
Nas discussões em grupos de professores, não falamos de escola, mas lemos imagens, desenhamos palavras, degustamos idéias, pensamos leve, livre. Isso muda tudo! Tenho mais do que professores aqui! As crianças e as famílias têm mais do que professores.... Nós nos temos por inteiro, mesmo sabendo que é apenas uma parte.
Sem cortes, intensamente ganhamos nossos dias com a poesia de estarmos no meio de um turbilhão de transformações! Aqui, criamos novos espaços para discutirmos o que fazemos... Pensamos educação por outros caminhos. Pensamentos nômades da educação. Falta-nos o querer de nos perder em pensamentos para podermos nos encontrar nos outros, nos lugares, nos versos, na leveza da simplicidade.
Educar somente para ser aluno, que tem prazo de validade, e não para ser estudante, que é para a vida toda!

Escrevo para não ter mais face...
Foucault - ando

O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.

William Blake

terça-feira, 5 de junho de 2007


A coleira
Livre e confiante cidadão da Terra, eis que está preso a uma corrente longa o bastante para lhe proporcionar a liberdade sobre todo o espaço terrestre; conquanto longa apenas de maneira a que não o solicite coisa alguma fora dos limites da Terra. É ao mesmo tempo livre e confiante cidadão do Céu, e eis que está preso a igual corrente celeste.
Quando pende muito para a Terra, estrangula-o a corrente celeste; quando pende muito para o Céu, estrangula-o a coleira terrestre...
Tem todavia todos os recursos, sente isso; sim, mas obstina-se em negar que tudo se dava a um erro inicial na fixação dos grilhões.

Kafka...
POR UMA PEDAGOGIA INCENDIANTE OU INCENDIÁRIA!

Marcelo Cunha Bueno

A Escola é um campo de batalhas, de lutas discursivas, de guerras pedagógicas. Não pode ser diferente! Um espaço rico geograficamente, onde múltiplos interesses travam confrontos formativos e desejantes por se transformarem em conhecimentos. Essa luta não fere ninguém, não pretende eliminar, aniquilar, apenas quer a desconstrução, a efetivação de novos espaços para conceitos, palavras. Ela quer ensinar a criança, o adulto a desaprender. Desaprendemos quando aquilo que sabíamos perde espaço para o novo. Escola é espaço de ruptura!
Penso naquelas escolas onde tudo é previsto, antecipado, onde não há espaços para as surpresas, para a novidade. O imprevisível, o campo do desconhecido, do incerto e inseguro é fortemente negado por muitas escolas. Devemos lembrar que, sem o espaço para o incerto, não há a menor possibilidade de nos abrirmos para a multiplicação de saberes. Talvez nos forçar a dizer mais “nãos” seria a solução: não ao programa, não aos projetos anuais, não ao cronograma que engessa, emperra e delimita o trabalho de professores e de seus estudantes. A segurança do conteúdo programático é falsa! Falsa porque não consegue controlar o nosso pensamento... que alça vôos. O programa assegura um mesmo discurso, sempre, mas não assegura um aprendizado, nunca!
Negar esses aspectos não é, em nenhuma instância, a defesa da bagunça, mas uma defesa pela escola livre de amarras antigas e ultrapassadas, apregoadas por pedagogias que não querem saber das diferenças, das singularidades, das multiplicidades. Afirmar que queremos liberdades de expressões é poder falar em diversas línguas que o imprevisto é bem-vindo, que a dor não se educa, que os problemas não estão nos outros e sim nas relações, que os conteúdos não precisam ser lineares, que não temos certeza de nada, nem podemos assegurar de como será o dia de amanhã para nossos estudantes. É tirar das costas um “peso histórico” que colocaram para a profissão de educadores!
A Escola é uma instituição em chamas! Diversos focos de incêndios podem ser notados em salas de aula, nas relações entre famílias e professores, professores e estudantes, currículo, discursos, etc. O dia-a-dia escolar é como um vento que propaga as labaredas, queimando a vegetação rasteira existente em cada espaço desse terreno. É por isso que é um espaço que tem vida própria, um espaço que precisa constantemente se compor e se decompor. O fogo que queima na Escola é fogo de paixão, aquela paixão que nos faz padecer, arder, que incomoda, enjoa, deixa sem fome... “amor em brasa”. Paixão que nos desloca, nos coloca em lugares nunca pisados ou sentidos.
A Escola e seus corpos devem se responsabilizar por causar incômodo em seus habitantes para que estes não deixem de querer encontrar rotas de fuga, escapes. Devem fazer com que nos embrenhemos nas labaredas presentes nas relações entre escola e famílias, incendiando as questões trazidas pelas mesmas com um discurso pedagógico (não pedagogizante) voltado às questões escolares.
Não devemos deixar esse fogo se apagar, mas sim colocar mais lenha na fogueira, jogar mais folhas secas, fazer o ar circular para deixar o fogo queimar... É urgente termos mais espaços de formação, de estudos dentro dos espaços escolares! Temos de incorporar o papel caloroso da formação para transformarmos chispas em calor formativo, em paixão!
Uma Pedagogia por Incêndios seria como um grito que se desloca no meio de tanta fumaça e nos faz pensar que, dentro da Escola, há efetivamente um discurso que não precisa de formas para existir, que não se encontra em um lugar definido, pois ecoa em várias direções e sentidos, e que não pretende nos guiar, apenas nos fazer presentes ao escutá-lo.